sexta-feira, 31 de agosto de 2012
Googling myself
Googlei-me mais por nostalgia do que por narcisismo e fui ter a outros lugares de mim, da minha vida.
Por momentos voltei a esses lugares de novo, a essas conversas, a esses estados de espírito. Voltei a vestir as indumentárias póprias desses lugares, voltei à humildade dessas conversas, voltei à agressividade dessas perguntas, voltei às pessoas que abriram o coração e partilharam as dores, as alegrias, as surpresas.
Bateu uma sensação que nem eu sei explicar. Um misto de saudade com tristeza. Vivi tantanto e tão intensamente em tão pouco tempo. Não, não foi assim tão pouco... é aquela de que aquilo que é bom voa no tempo a uma velocidade alucinante.
Volto. Revivo.
Estou de novo no fundo de uma mina, nas entranhas da terra só com uma luzinha pendurada num capacete que teima em cair-me para a frente dos olhos.
Estou de novo em casa de um pintor que dá cabo da saúde só pelo prazer de pintar.
Estou de novo diante de uma frágil criança com uma sentença de morte iminente.
Estou de novo num quarto fetiche a chorar com uma mulher que se prostitui porque desespera por dinheiro para pagar as contas.
Estou de novo nervosa antes de entrevistar aquele personagem intimidante.
Estou de novo no meio da neve, a seis mil km de casa, a deixar a minha mão ficar roxa de frio com o entusiasmo da conversa, estou de novo a sentir o que eles sentem quando estão longe de casa e estou de novo a beber aquele chocolate quente que dá um conforto diferente a essa distância.
Volto aquela mãe que abre o coração para falar do filho que se apaixonou pela droga. Volto aquele telefonema de agradecimento sincero por causa de um texto em que era eu quem estava grata pela partilha.
Volto aquele helicóptero a meio da noite onde o pijama ainda está vestido debaixo da roupa que entrou à pressa.
Volto a subir no balão de ar quente e a ouvir aquela proposta para a chance in a lifetime.
Volto a abrir a pestana às quatra da manhã e a sentir aquele friozinho no estômago antes de partir, com um "é mesmo agora" a bailar-me no pensamento.
Volto ao ensurdecedor barulho de um C130 carregado de gente, bagagem e cansaço.
Volto a estar dentro de uma ambulância a chocalhar durante oito horas depois de andar a resgatar doentes perdidos em lugares ermos.
Volto a andar de porta em porta a acompanhar "os da festa" os que andam a recolher fundos para a festa da terra, depois de já ter feito uma procissão e antes de 30 horas de trabalho seguidas.
Volto aquela ambulância em Rio de Moinhos, entre Vila Nova de Milfontes e Beja onde aquela miúda que ali está - e que quatro anos antes não quis esperar pela maternidade -nasceu.
Volto aquela senhora que mora a pouco mais de 2 quilómetros do vulcão me conta tudo com pormenores deliciosos que só alguém com noventa e muitos anos podia descrever, recordo-me da berraria em que decorreu a conversa graças à profunda surdez da senhora. e do banho de quase uma hora para tirar as cinzas do vulcão do corpo.
Volto ao drama dos que foram levados pela ravina abaixo e cairam ao Tua.
Volto aquela sensação de sair atrás de uma história e de não saber com o que vou voltar no bloco de notas.
Volto ao senhor Francisco, um senhor que não sabe ler nem escrever, não sabe a data de nascimento, mas sabe tudo sobre a terra onde nasceu, cresceu e envelheceu. Sabe aquilo que mais ninguém sabe.
Volto aquele convento, onde ela - do lado de lá da grade - e nós - do lado de cá- conversamos longamente sobre o que a levou a deixar a vida cá de fora e entrar na clausura.
Volto aquele miúdo que fotografamos dois minutos antes de se acabar a luz do sol e 15 segundos antes de cair a mair chuvada de granizo que já vi. Volto ao arroz de enchidos qie comemos depois em jeito de celebração.
Volto a uma tarde, no meio da serra numa cerimónia de Druidas.
Volto ao orgulho que vi na face de quem faz coisas que mais ninguém faz no mundo. Volto à claurura de quem vive atrás das grades. Sinto no peito a sensação de ouvir a grade a fechar-se atrás de mim e depois outra e outra. As chaves a encerrar o espaço.
Volto a história de um dos homens mais procurados do Mundo, a do pacato homem.
Volto a saubir as escadas da torre de controlo naquele fim de tarde e a ver o que mais ninguém viu porque fugiram todos da chuva, olho e vejo. Vejo tudo a passar-me a frente.
Volto e volto e revolto a tantos outros sítios e gentes e histórias e sensações e momentos.
Volto aquela redacção, às horas sem fim, aos dias que não acabam, à sensação de que o cérebro se transformou em papa, volto às bolas que voam de um lado para o outro, volto às pizzas partilhadas, às zangas, às gargalhadas sem fim. Volto a pôr os headphones nos ouvidos e a música no máximo para depois desatar a bater furiosamente no teclado, volto às confidências e às inconfidências, volto às pessoas. Volto aos quilómetros no corpo. Volto aos personagens. Volto às pessoas que passaram e ficaram. Volto aos amigos que fiz, volto a mim. Volto aquilo que era, aquilo em que me transformei e aquilo que sou.
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Devaneio
São incalculáveis os caminhos que iremos percorrer. São muito distante daqueles que queremos, efectivamente, percorrer. Não há predestinação nenhuma, ou há, mas é tal e qual um presente. Quando nos é dado vemos um embrulho, só quando o abrimos vemos o que lá está dentro. E, mesmo depois de aberto, podem continuar a haver surpresas até se chegar ao fundo da caixa. Destino, fé, seja qual for a crença, nada é planeável. Podemos dizer que sim, que não, que nunca, que sempre e possivelmente vamos bater com todas as previsões um passo ao lado. É sempre surpreendente, bom ou mau. É sempre inexpectável, improvável.
Vêm as lágrimas, os sorrisos, a vontade de lutar, a falta da força para respirar. E tudo chega e tudo vai, fazendo de nós mesmos meros espectadores diante da nossa própria vida, mas sempre a acharmos que somos os protagonistas da história e que somos nós a decidir a nossa vida. Irónico.Esmagador.
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