segunda-feira, 9 de abril de 2012

Palavras malditas

Há as coisas que nos acontecem a nós e aquelas que só acontecem aos outros. Um dia, quando essas coisas que só acontecem aos outros nos acontecem a nós, o Mundo cai-nos em cima com uma violência tal que demoramos a assimilar uma realidade que não era a nossa, mas que afinal acabou por ser a nossa. Tão nossa que depressa se entranha nos nossos dias, nos nossos quotidianos. É assim porque tem de ser. Muda tudo. Muda-se os hábitos, muda-se as prioridades. Muda-se o interior mais profundo, muda-se a essência daquilo que se é. Não se muda porque se quer. Muda-se porque, de repente, aquilo que só acontecia aos outros acontece-nos a nós. Um dia, aquelas tristezas dos outros transformam-se nos nossos sofrimentos. Pior, aquilo que só acontece aos outros, aconteceu aos nossos mais queridos, aos nossos mais amados, aos nossos preciosos. E aí o Mundo ganha outras cores, outros contornos. Acredito que se vê com uns olhos maiores, que se vê mais com o coração e menos com as pressas do dia a dia que banalizam tudo. O chão dá uma volta e meia e ficamos suspensos na incredulidade. Aquilo que há muito deixamos para trás volta. Procuramos a ajuda no divino, no terreno e no meio termo. É assim o desespero. Faz-nos virar o coração. E o desespero é tanto maior quanto maior é a nossa impotência face aquilo que acontece. É tanto maior quanto maior é o sofrimento daqueles a quem só queremos o sorriso e não há que não as lágrimas. É tanta maior quanto maior é o amor que se tem. É querer arrancar as lágrimas, as dores, os medos. Pegar neles fecha-los num saco bem atado e fugir a correr para bem longe. Despejar o saco no buraco mais fundo de todos os buracos e voltar com a leveza, o sorriso e a felicidade. Mas esse é o desejo que não vem nem que se faça um buraco na lamparina de tanto a esfregar. E o que resta é dar aquilo que se tem de mais genuino. Resta dar o amor, dar o coração, dar a alma. Dar. Dar e dar e a melhor paga que se pode receber é esse tal sorriso, esse sorriso que apaga todos os males do mundo por uns escassos momentos, uns momentos que não se trocariam nem pelos mais preciosos diamantes. Dai arrancam-se todas as forças. São esses sorrisos que permitem aguentar todas as dores da alma pelas dores de um corpo que não é nosso. São esses sorrisos que dão coragem e nos fazem acreditar que as palavras malditas, as doenças maldita, não vão ser mais fortes. E só se consegue ver com olhos de ver quando se vai ao mais profundo do que se é, quando se desce aos recantos mais obscuros do nosso ser e se olha para o mundo com uns novos olhos. Com a noção de que cada dia é uma dádiva, do céu ou da terra. Aquilo que só acontecia aos outros acontece a todos, mas todos temos demasiado medo para perceber que também nos pode acontecer a nós e aos que amamos. Não se é mais do que ninguém, é-se apenas alguém mais consciente e ainda com mais medo do que antes. Agora sabe-se que não é apenas aos outros, agora sabe-se que amar não é suficiente para proteger aqueles que mais amamos, agora sabe-se que estar é mais importante do que qualquer outra coisa, estar é o bem mais precioso que se pode dar a alguém que é tudo para nós.