quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Apontamentos


INEM

Por uma única vez, há já uns anos, estava aflita com o estado de saúde da minha querida menina e telefonei para aquele número que é quase sempre sinónimo de uma grande aflição. Marquei o 112 e a resposta não foi aquela que desejava ou precisava. Nesse dia, zanguei-me com o INEM. Agora, tive uma oportunidade única de conhecer verdadeiramente o INEM. De ver por dentro, de entrar num mundo repleto de histórias com finais que tocam o coração. Não falo de heróis nem de heroínas, de dramas ou tragédias. Falo de uma enorme vontade fazer a diferença quando mais nada resta, falo de uma luta em que todos os segundos contam, falo de querer salvar vidas.Durante os quatro dias em que a minha única e insignificante missão foi acompanhar estes homens e estas mulheres percebi muitas coisas. Percebi sobretudo que a condição humana se revela nos momentos em que todos nos revelamos unicamente como pessoas. Independentemente dos cargos, dos nomes ou do extracto da conta bancária. Percebi que há quem passe a vida a dar vida aos outros e a roubar vidas há morte. Percebi que apesar do cansaço e do stress que é andar sempre a correr de emergência em emergência no final vale sempre a pena, ainda que por vezes não se evite o final triste. Ouvi histórias, muitas histórias. Ouvi histórias tristes e penosas, ouvi histórias felizes e experiências arrepiantes. Vi com os meus próprios olhos o que é tudo isto.Naquele lugar onde caem as chamadas em tempo de aflição ( CODU ­ centro deorientação a doentes urgentes) vi a aflição daqueles que presos a um telefone têm de gerir os meios de socorro e decidir quais as situações de emergência mais urgentes. A bordo da ambulância fui correndo as ruas da baixa enquanto esperava que o telefone tocasse. Quando tocou, o cérebro despertou para tudo aquilo que estava a acontecer. A situação não era de vida ou de morte, mas isso pouca importância teve. A determinação é a mesma.E os cinco andares de escadas foram feitos a uma velocidade alucinante. A dona Maria tinha apenas umas escoriações e a cabeça a precisar de uns pontos, mas o carinho com que a tripulação da ambulância a tratou tocou-me o coração. Na VMER (aquelas carrinhas Passat ), Viaturas Médicas de Emergência e reanimação, não andei, por só haver três lugares. Mas aproveitei o tempopara falar com os médicos e enfermeiros que dedicam algumas das suas horas de folga no hospital para fazerem serviço de urgência. Os relatos são verdadeiros afagos para o espírito. E o entusiasmo de quem conta essas histórias faz ver que apesar de tudo, os momentos felizes compensam todos os outros e que dão oxigénio para se aguentar. No helicóptero a experiênciade voar até aos doentes foi fabulosa. Depois de uma manhã inteira na base em que nada aconteceu, o heli foi chamado e não parou até às 7 da tarde. Apesar de o trabalho ser feito em condições de transporte extraordinárias, o espírito e a determinação são as mesmas.Muitos daqueles com que falei confessaram que desistir foi algo que já passou pelas suas cabeças por diversas vezes. Sempre que pensaram que não aguentavam mais e que chegava de sofrer com o sofrimento dos outros. Mas todos acabaram por ficar. Em cada um dos lugares em passam por experiências fortes fica uma marca. A marca que só eles vêem, a marca de que aquilo que fazem continua a valer a pena.Foi uma experiência que jamais esquecerei e a zanga antiga que tinha desvaneceu-se. Espero do fundo de toda a minha pequena dimensão ter conseguido (nas seis páginas a que tive direito) mostrar aquilo que é o INEM e aquilo que estes homens e mulheres fazem pelos outros.

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