sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

imagens e IMAGENS

Há algum tempo atrás escrevi isto:

Fotografar é seleccionar um pouco de mundo. Esse fragmento do real pode ser guardado, partilhado ou esquecido. No entanto, ao partilhar esse pedaço de mundo, está a partilhar-se uma história, um momento, que desfila ante os nossos olhos a muitos quilómetros e até a muitos anos de distância. Essa distância temporal ou espacial não diminui a força da imagem, não lhe retira expressividade nem emoção. Porque uma fotografia é isso mesmo: um momento roubado algures que fica registado para todo o sempre.

Em tempos de guerra, onde a incerteza e a esperança se cruzam, há muito horror, muita dor, muita miséria. As imagens de corpos sem vida, de casas destruídas, de carros ardidos, de gentes moribundas multiplicam-se. Tudo em prol da comunicação, tudo para que se mostre ao resto do mundo o que está a acontecer ali, tudo por uma imagem. Mas quais são os limites? O que deve ou pode ser fotografado? Qual a diferença entre o horror e o terror, entre a dor e o dilacerante, entre o estar na miséria e o estar moribundo? Que limites éticos se colocam a um fotógrafo no momento de premir o botão da sua máquina?



Depois procurei uma resposta para estas questões e encontrei isto:





Esta fotografia é de um senhor chamado Kevin Carter e ganhou o prémio Pulitzer.

A fotografia é a de uma menina sudanesa sobrada sobre si mesma, a arrastar-se na direcção de um centro de refugiados e de um abutre que olha na direcção da criança. O que sossega qualquer um ante o terrível da fotografia é a presença do fotógrafo. Que poderia ter salvo aquela criança, afastando-a da morte e do abutre. Mas a questão que nunca foi totalmente esclarecida e as hipóteses que se colocam assustam. O fotógrafo Kevin Carter deu várias versões sobre o que se teria passado depois da foto e chegou mesmo a referir numa das suas últimas entrevistas que odiava a fotografia. A versão de que ele nada tinha feito pela criança enquanto aguardava o momento perfeito para fazer a foto destroça o coração de qualquer pessoa.



Ainda que seja uma mera hipótese considerar que ele nada fez a questão que aqui se coloca é a da distinção entre as ambição profissional e o sentimento de humanidade é de salientar. Até que ponto alguém é capaz de ir por um trabalho brilhante, com a luz, enquadramento e posição perfeita dos intervenientes. Como é que se pode esperar pela situação ideal enquanto alguém está ali a morrer mesmo à frente? É aterrador pensar que alguém alguma vez o tenha conseguido. E, apesar de ser apenas uma hipótese, a verdade é que Carter nunca teve a firmeza de declarar que tinha salvo a criança. Suicidou-se algum tempo depois de ter ganho o prémio, os problemas pessoais e a sua alegada dependência das drogas foram os motivos apontados. No entanto, há quem diga que a controvérsia gerada pela imagem terá contribuido para o fim infeliz de Carter.


E só depois me deixei levar pela magia do Nachtwey. Pela sua dignidade, pelo seu sentido de humanidade. Encontrei isto (e muito muito mais...):








Poderia dar opinar sobre o que acho dele e revelar tda a minha paixão pelo seu trabalho, mas ele fez melhor. No documentário War Photographer ele próprio se define enquanto define o seu trablho, a sua obra, a sua genialidade. Ei-lo:


"Porquê fotografar a guerra?
Será possível pôr um fim a uma forma de comportamento humano que existiu ao longo de toda a história, através da fotografia?

O colocar desta questão parece ridiculo e desajustado.É precisamente essa ideia que me motiva. Para mim, a força da fotografia reside na capacidade de evocar o sentido de humanidade. Se a guerra tenta negar a humanidade, a fotografia pode conceber-se como o oposto da guerra. E, se for bem usada, constitui um poderoso antídoto contra a guerra.



De certo modo, se um individuo assume o risco de se colocar no meio de uma guerra para comunicar ao resto do mundo o que se passa, ele tenta negociar a paz. Por isso, aqueles que perpetuam a guerra não gostam de ter fotógrafos por perto.



No terreno, aquilo que se sente é extremamente imediato. O que se vê não é a imagem numa página de revista, a 16 mil quilómetros de distância, junto a um anúncio de relógios “Rolex”. O que se vê é uma dor sem paliativos, injustiça e miséria. Ocorreu-me que se todos pudéssemos estar lá, pelo menos uma vez, e ver pelos próprios olhos um fósforo branco aproximado à face de uma criança, a dor inexpressável que causa o impacto de uma só bala, como um estilhaço de morteiro arranca a perna a uma pessoa...



Se todos pudessem ver por si mesmos o medo e o pesar, uma só vez, então compreenderiam que nada justifica que as coisas cheguem ao ponto que isso aconteça a uma só pessoa, muito menos a milhares. Mas nem todos podem ir lá, e é por isso que os fotógrafos vão, para mostrar, para agarrá-los e fazer com que parem de fazer o que estão a fazer, e prestem atenção ao que está a acontecer. Para criar imagens suficientemente poderosas que ultrapassem o efeito ilusório dos media e abanem as pessoas da sua indiferença. Para protestar e, com a força desse protesto, fazer com que os outros também protestem”.

O pior é sentir que, como fotógrafo, beneficio das tragédias dos outros. Esta ideia persegue-me, é algo com que tenho de lidar todos os dias. Eu sei que se algum dia deixar que a genuina compaixão seja ultrapassada pela ambição pessoal, aí, terei vendido a minha alma. A única maneira de justificar o meu papel é ter respeito por aqueles que sofrem. A medida desse respeito, é a mesma medida dos que me aceitam, e com essa medida eu posso aceitar-me”.

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